15 passos do diagnóstico na Pediatria
Na Pediatria, o diagnóstico também é realizado com base nos quatro pilares básicos: interrogatório, inspeção, palpação e ausculta e olfação.
Porém, como os bebês e crianças não têm capacidade de expressar suas condições (queixas, sinais, sintomas, dores, sensações, etc), a inspeção ganha papel de destaque.
Em linhas gerais, ao final do processo o profissional deve ser capaz de determinar se é uma condição de frio ou calor, se o Qi é suficiente ou insuficiente e se há a presença de fatores patogênicos.
Em 1575, Zhou You Fan em sua obra “Secrets of Infantile Tui Na Therapy” elaborou uma lista de 15 passos para o diagnóstico pediátrico, dos quais 11 referem-se diretamente à inspeção.
Apesar da evolução da Pediatria ao longo dos anos, o passo a passo de Zhou You Fan ainda é amplamente divulgado pelos autores ocidentais contemporâneos, como Kyle Cline e Bob Flaws e utilizado na prática clínica dos profissionais especializados na área.
O atendimento infantil requer um tempo para que a criança se habitue ao espaço e para que ela confie no profissional. Para isso ocorrer, o profissional deve conversar, apresentar alguns brinquedos ou algo que prenda a atenção da criança, tocar levemente sua face, etc.
Nesse primeiro contato, o profissional deve observar se o comportamento é adequado para a idade, se criança está ativa, a temperatura da pele (muito quente, muito fria, etc) e as condições gerais que possam auxiliar nos demais passos: odores, sensibilidade, condição da pele, etc.
Após o contato inicial, a criança deve ser posicionada para que os 15 passos possam ser executados.
1) Inspeção do Shen
A primeira observação da criança já demonstra como está o estado da sua mente (shen), mas é a inspeção dos olhos que vai informar a situação do shen e o prognóstico da doença.
Quando os olhos estão brilhantes e alertas e a criança responde aos estímulos visuais rapidamente, pode-se concluir que a doença não é grave e que ela vai responder ao tratamento.
Quando os olhos estão opacos, sem brilho e a criança está apática, pode-se concluir que a doença é grave. Na prática clínica, é muito raro uma criança chegar nessas condições porém, caso aconteça, os pais devem ser orientados a levá-la para um hospital com urgência.
2) Inspeção da face
Alterações de coloração em determinadas regiões da face da criança indicam diferente patologias. Como algumas alterações são discretas, a inspeção deve ser realizada em ambiente iluminado, preferencialmente sob iluminação natural.
De maneira geral, alterações na testa indicam patologias do Coração, alterações nas pálpebras e na bochecha esquerda indicam patologias do Fígado, alterações na bochecha direita e protuberância frontal indicam patologias do Pulmão, alterações entre as narinas e no canto da boca indicam patologias do Baço e alterações nos lóbulos das orelhas e queixo indicam patologias do Rim.
A alteração de coloração indica o tipo de patologia, ou seja, colorações avermelhadas indicam padrões de calor, palidez excessiva indica deficiência de Qi ou de Yang, colorações amareladas indicam deficiência de Baço ou presença de mucosidade e colorações azuladas e arroxeadas indicam a presença de frio ou de estase de Sangue.
A região localizada entre os olhos e a base do nariz, chamada de Shan Gen (base da montanha) merece atenção especial durante a inspeção. Quando uma veia azul é vista nessa região (conforme figura 1), a criança apresenta deficiência de Baço/Estômago enquanto uma mancha azulada indica o estágio inicial dessa deficiência.
Ainda, pele mais escura dessa região indica vento e/ou frio no Rim, pele pálida indica acúmulo de muco no Pulmão e pele azulada indica vento do Fígado.
Figura 1 – Inspeção do Shan Gen (veia azul indicando deficiência de BA/E)
3) Inspeção da forma corporal
A inspeção da forma corporal compreende a inspeção da estrutura óssea e muscular, proporção corporal, inspeção da cabeça, – incluindo o fechamento da fontanela se o paciente for bebê -, dos membros, tórax, abdômen e costas. Deve-se também inspecionar as unhas (textura e coloração) e os cabelos (brilho, quantidade e falhas).
Durante essa inspeção é importante que o profissional toque cada uma das partes e verifique a presença de sensibilidade ou dor através do choro, movimentos corporais, expressões faciais ou se a criança tenta se afastar.
4) Inspeção da língua
Como bebês e crianças muito pequenas não conseguem entender o comando de “por a língua para fora”, a inspeção da língua somente é possível em crianças maiores.
A análise da língua infantil é a mesma realizada nos adultos e deve considerar basicamente a coloração, a forma e a saburra. A posição dos órgãos também é a mesma.
É importante salientar que a língua saudável nas crianças é levemente avermelhada, úmida e com movimento desimpedido.
Quando a criança brinca com a língua deve-se considerar a existência de calor no Coração.
A tabela 1 exibe as principais condições encontradas na língua e seus significados clínicos.
Tabela 1 – Inspeção da Língua
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Língua pálida | Deficiência de Qi e/ou Sangue |
Língua vermelha | Calor |
Língua vermelha escura ou rubra | Doença de Calor / Calor na camada do Sangue |
Língua arroxeada | Estagnação de Qi e Sangue |
Saburra branca e fina | Invasão de fator patogênico ou frio |
Saburra branca e grossa | Mucosidade ou Estagnação de Alimentos |
Saburra amarela | Calor |
5) Inspeção dos olhos
Além da inspeção do Shen, a observação dos olhos pode indicar condições internas importantes. A tabela 2 exibe as principais condições e seus significados clínicos.
Tabela 2 – Inspeção dos olhos
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Esclerótica vermelha | Vento Calor |
Olhos lacrimejantes | Invasão de vento frio ou sinal inicial de sarampo |
Esclerótica amarela | Umidade Calor |
Pontos escuros na esclerótica | Presença de parasitas intestinais |
Pupilas muito dilatadas ou contraídas | Deficiência ou exaustão do Qi do Rim |
Córnea e cristalino opacos | Má nutrição |
Olhar fixo e sem expressão | Sinal inicial de convulsão |
Olhar de raiva | Excesso do Qi do Fígado |
6) Inspeção do nariz
A inspeção do nariz inclui a inspeção da cavidade nasal, da respiração e principalmente do muco nasal.
É essencial observar se a cavidade nasal está desimpedida e se a criança respira normalmente pelo nariz. Deve-se notar a presença de corpos estranhos dentro da cavidade nasal (isso é mais comum do que se pode imaginar) e a presença de muco interno.
O ideal é que a respiração seja feita através do nariz e que seja tranquila e sem forçar. Qualquer condição diferente deve ser analisada e acompanhada durante o tratamento.
Quando o nariz fica trêmulo ou se movimenta durante a respiração, pode-se pensar em pneumonia (neste caso, sugere-se indicar uma visita ao médico ocidental).
O muco nasal é o fluido corporal relacionado ao Pulmão e sua condição pode indicar diversas patologias. A tabela 4 exibe as principais informações relacionadas.
Tabela 3 – Muco Nasal
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Muco fluido (líquido) e transparente | Invasão por vento frio, alergia ou def. do Baço associada a umidade |
Muco pegajoso claro | Calor |
Muco pegajoso amarelo-esverdeado | Calor no Pulmão (deve-se investigar a causa) |
Muco seco impregnado nas narinas | Calor e Secura |
Muco Sanguinolento | Calor no canal do Pulmão / Calor no Estômago |
7) Inspeção da boca
A inspeção da cavidade oral inclui a observação da coloração e condições das gengivas, língua, bochechas, garganta, céu da boca e amígdalas.
A tabela 4 exibe as principais condições encontradas e seus significados clínicos.
Tabela 4 – Inspeção da Boca
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Gengivas vermelhas e inchadas | Fogo do Estômago em contracorrente |
Aftas nas gengivas | Calor Umidade no Baço |
Aftas na língua | Calor no Coração ou Baço |
Saburra lingual grossa, branca e não uniforme | Calor Umidade + def. do Baço |
Cáries dentais | Fogo do Estômago ou Calor Umidade no Baço |
Ausência de dentes (atraso na dentição) | Deficiência de Qi do Rim |
Garganta vermelha e inflamada | Invasão de Vento Calor |
Amígdalas inchadas e inflamadas | Vento Calor, Calor tóxico ou Calor no Pulmão ou Estômago |
8) Inspeção das orelhas
Dor de ouvido e outras condições relacionadas aos ouvidos são comuns na pediatria. Por isso deve-se inspecionar o pavilhão auricular e o duto auditivo em busca de secreções ou odores anormais, dores ou incômodos.
A tabela 5 exibe as principais condições encontradas e seus significados clínicos.
Tabela 5 – Inspeção das Orelhas
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Dor e inchaço no duto auditivo com secreção purulenta | Calor ascendendo e em contracorrente nos canais do TA e VB (normalmente causado por estagnação de alimentos) |
Secreção líquida, esbranquiçadas | Deficiência do Qi do Baço |
Glândulas abaixo das orelhas inchadas | Calor Tóxico no canal shao yang |
9) Inspeção dos orifícios inferiores
A inspeção dos orifícios inferiores deve ser realizada em bebês e crianças menores, sempre com a autorização e acompanhamento dos pais.
Os orifícios anteriores são a uretra e o canal vaginal nas meninas e o pênis e escroto nos meninos. O orifício posterior é o ânus.
Deve-se analisar a coloração e a presença de inchaço na região dos orifícios e genitais.
A tabela 6 indica as principais condições encontradas e seus significados clínicos.
Tabela 6 – Inspeção dos orifícios inferiores
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Gengitais inchados e vermelhos | Calor umidade no aquecedor inferior |
Coceira ou irritação no ânus | Presença de parasitas intestinais |
Flacidez escrotal | Deficiência do Qi do Rim |
Presença de apenas um testículo | Deficiência do Qi do Baço |
Região anal vermelha, com pele seca ou com secreção | Calor umidade (assadura) |
10) Inspeção da pele
O ideal é que a pele seja inspecionada sob iluminação natural e com bastante atenção.
Basicamente, o profissional deve observar a coloração da pele e também a existência de erupções, vesículas ou irritações cutâneas, todas elas associadas a doenças de calor.
A tabela 7 indica as principais condições encontradas e seus significados clínicos.
Tabela 7 – Inspeção da pele
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Pele pálida | Deficiência ou frio |
Pele amarela e inchada | Edema por deficiência de Yang |
Pele pálida e amarelada | Deficiência do Baço |
Pele amarela e brilhante | Deficiência de Qi |
Pele pálida e lábios/unhas vermelho claro | Deficiência de Sangue |
Pele e esclerótica amarela | Icterícia |
Pele avermelhada | Calor |
11) Inspeção das fezes e urina
Apesar dos aspectos relacionados as fezes e urinas comumente serem tratados no interrogatório, a inspeção da fralda (e conseqüentemente das fezes e urina) de bebês e crianças pequenas pode trazer informações importantes para o diagnóstico.
Então, se ocorrer troca de fraldas de fraldas durante o atendimento, deve-se realizar uma análise.
Nos recém nascidos e lactentes, as fezes devem ser amareladas e pastosas. Para os que já se alimentam, as fezes devem ser marrom, ter formato cilindro e não ser nem dura e nem mole. A urina deve ser sempre amarela clara.
A tabela 8 indica as principais condições associadas as fezes e urina e seus significados clínicos.
Tabela 8 – Inspeção das fezes e urina
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Urina amarelo escura, em pouca quantidade em dias muito quentes | Normal |
Urina escura associada a dor ou queimação | Umidade Calor descendente |
Urina túrbida | Mucosidade devido a alimentação irregular |
Urina marrom ou avermelhada | Hematuria |
Fezes duras, pequenas e ressecadas | Calor no yang Ming ou perda de fluidos |
Fezes moles com presença de muco e/ou amareladas com cheiro de ovo podre | Calor Umidade nos intestinos |
12) Palpação do pulso
A palpação pulso nas três posições é inviável em bebês e crianças, uma vez que os dedos do profissional são muito maiores do que a estrutura do pulso da criança.
Mesmo assim, é indicado que o pulso seja observado de forma geral utilizando um ou dois dedos para definir a velocidade (rápido ou lento), a profundidade (superficial ou profundo) e intensidade (forte ou fraco).
É importante lembrar que o pulso da criança é mais rápido do que o de um adulto e a comparação entre o pulso do paciente e os ciclos respiratórios do profissional deve ser feito com cautela.
A tabela 9 indica a velocidade normal do pulso conforme a idade do paciente.
Tabela 9 – Velocidade do Pulso conforme a idade
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Recém nascidos | 120 – 140 bpm (7 ou 8 ciclos respiratórios do profissional) |
1ano | 110 – 120 bpm (6 ou 7 ciclos respiratórios do profissional) |
4 anos | 110 bpm (6 ciclos respiratórios do profissional) |
8 anos | 90 bpm (5 ciclos respiratórios do profissional) |
14 anos | 75 – 80 bpm (4 ou 5 ciclos respiratórios do profissional) |
13) Inspeção da veia do dedo Indicador
A inspeção da veia do dedo indicador (VDI) é um procedimento adicional à palpação do pulso utilizada desde a Dinastia Tang (618 – 907DC) e é baseada na inspeção visual da veia localizada no lado radial do dedo indicador da mão.
O dedo indicador é dividido em três partes (segmentos) chamados: portão do vento (segmento proximal), portão do Qi (segmento medial) e portão da Vida (segmento distal). A figura 2 ilustra as 3 divisões.
Figura 2 – Divisões do dedo indicador (VDI)
Em condições fisiológicas (normais), a veia não é visível ou apresenta uma leve coloração avermelhada, não ultrapassando o portão do vento (segmento proximal).
Na prática clínica, para tornar a veia visível para a avaliação visual, deve-se segurar o dedo indicador do bebê/criança com dois dedos e com o indicador da outra mão, realizar um movimento que começa no Portão da Vida (segmento distal) e vai até o Portão do Vento (segmento proximal). Caso seja necessário, pode-se passar um algodão com álcool na região para ajudar no aparecimento da veia.
Após encontrá-la deve-se analisar a visibilidade, coloração e condições da veia.
Em condições normais, a veia não é nem superficial e nem profunda, é levemente vermelha e não ultrapassa o portão do vento. A tabela 10 exibe as principais condições encontradas e seus significados clínicos.
Tabela 10 – Diagnóstico via VDI
Condição Encontrada | Significado Clínico |
Veia superficial e exposta | Síndrome externa |
Veia profunda e com formato indistinto | Síndrome interna |
Vermelha clara | Deficiência ou frio |
Vermelha viva | Calor |
Vermelha escura | Acúmulo de calor |
Azul arroxeada | Estase de Sangue, dor ou síndrome Bi |
14) Ausculta e olfação
Embora a ausculta e olfação não seja um método muito empregado no diagnóstico de adultos, ele é essencial na pediatria.
Como o interrogatório direto com o paciente não é possível, variações de odores e sons são úteis no diagnóstico.
Com relação aos sons, deve-se considerar os sons relacionados ao choro, a respiração, a tosse e a voz.
Com relação aos odores, deve-se considerar o cheiro da respiração, do hálito, da transpiração, das fezes e da urina.
É importante que os pais sejam orientados para não utilizar nenhum tipo de perfume ou cosmético nas horas que antecedem o atendimento.
As principais características relacionadas à ausculta e olfação já foram discutidas nos passos anteriores.
15) Interrogatório (pais ou acompanhantes)
O profissional deve ter em mente que o interrogatório pediátrico é voltado aos pais (ou cuidadores) e não à própria criança.
Por esse motivo, algumas questões não são adequadas (como os sonhos por exemplo) e outras precisam ser acrescentadas.
De maneira geral, o interrogatório pediátrico deve incluir questões sobre a gestação e o parto, desenvolvimento do bebê e da criança, alimentação, crescimento, imunização (vacinas) e imunidade.
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Para finalizar, é preciso destacar que o objetivo dos 15 passos do diagnóstico pediátrico é reunir a maior quantidade de informações para que sejam agrupadas e utilizadas para a diferenciação da síndrome / patologia e definição do princípio de tratamento.
Referências
– CLINE, Kyle. Massagem Pediatrica Chinesa. 1ª Edição. São Paulo: Editora Ground, 2000.
– FLAWS, Bob. A handybook of TCM Pediatrics. 2ª Edição. New York: Blue Poppy Press, 2006.
– JIMING, Cao; JUNQI, Su; XINMING, Su. Essentials of Tradicional Chinese Pediatrics. 1ª Edição. Beijing: Foreign Languages Press, 1990.
– SCOTT, Julian. Acupuntura no tratamento de crianças. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Rocca, 1997.
Publicado na 34ª Edição da Revista Brasileira de Medicina Chinesa – https://ebramec.edu.br/revista/revista-brasileira-de-medicina-chinesa-34a-edicao/
Excelente matéria. Parabéns