O bebê nasce pronto, mas não nasce maduro. Essa é a melhor frase que explica a visão da Medicina Chinesa sobre bebês e crianças.

Quando o bebê nasce, seus órgãos e vísceras não estão maduros e suas funções ainda não estão plenamente desenvolvidas ou ocorrendo corretamente. É por isso que as crianças tem maior propensão à doenças do que os adultos.

Dentre todos, o Pulmão, o Baço e o Fígado são os três principais órgãos causadores da maioria das doenças infantis, dentre elas os problemas respiratórios (asma, bronquite, alergia, etc), gastrointestinais (refluxo, vômito, diarreia, etc) e emocionais.

Vamos entender as funções de cada um deles e o por quê de serem os grandes “vilões” do organismo infantil?

Pulmão

O pulmão é o órgão mais externo do corpo humano. Ele está relacionado com o trato respiratório superior, especialmente o nariz, com a pele e pelos e controla o Qi defensivo (Wei Qi) e também o fluxo de Qi pelo corpo. Em condições normais, o Qi do Pulmão dispersa para a pele e músculos e descende em direção ao Rim.

Nas crianças (e bebês) o pulmão é insuficiente e consequentemente a imunidade ainda é baixa (Wei Qi também é insuficiente). Na obra Zhong Yi Er Ke Xue (Um estudo da Pediatria na Medicina Chinesa) tem-se que:

“A defesa exterior da criança não é segura. Portanto, os fatores patogênicos podem facilmente chegar ao exterior e atingir os pulmões”

Quando há invasão, o fator patogênico bloqueia o fluxo do Wei Qi (Qi defensivo), que se acumula causando dor muscular e febre baixa.

O acúmulo do Wei Qi também prejudica a função do Pulmão de descender e dispersar, o que causa por sua vez, um acúmulo do Qi do Pulmão na região do tórax e posteriormente tem seu fluxo invertido (passa a subir) causando sintomas como coriza e tosse.

Ainda, o acúmulo e o fluxo invertido do Qi do Pulmão afeta a via das águas, uma vez que o Pulmão fica impossibilitado de enviar os fluídos para a Bexiga, causando acúmulo de fluídos na região do tórax, que se transformam em fleuma.

Por ser o órgão mais externo e diretamente relacionado com o Wei Qi, o Pulmão é considerado o órgão mais frágil do corpo. Esse fato justifica a popularidade e recorrência dos problemas respiratórios em bebês e crianças.

Baço

Segundo a Medicina Chinesa, o Baço e o Estômago são os órgãos envolvidos no processo de digestão e possuem papel fundamental na produção de Qi e Sangue e consequentemente para a manutenção das atividades vitais do corpo. Enquanto o Estômago tem como função receber e digerir os alimentos, o Baço domina a transformação e o transporte.

Segundo a obra Zhong Yi Er Ke Xue (Um estudo da Pediatria na Medicina Chinesa) tem-se que:

“O transporte e transformação nas crianças não é fortalecida e completo”

Após o nascimento, ao mesmo tempo que os órgãos ainda estão imaturos, o corpo da criança necessita de grandes quantidades de Qi para promover o rápido crescimento e desenvolvimento.

A soma dessas duas condições (imaturidade e alta demanda) faz com que o equilíbrio desse par de órgãos seja facilmente afetado: alimentação inadequada, exposição aos fatores patogênicos, fatores emocionais ou relacionados à rotina podem ser o gatilho de vários mecanismos de doenças.

Quando a alimentação é inadequada ou excessiva, a pouca capacidade do Baço em transformar e transportar faz com que ocorra acúmulo de alimentos no estômago (estagnação), o que causa sintomas como desconfortos abdominais, vômito ou diarreia.

Quando o Baço é invadido por um fator patogênico, a função do Baço, que já é naturalmente prejudicada, fica ainda mais fraca, causando uma estagnação de alimentos ainda mais severa.

Quando a estagnação de alimento não é rapidamente resolvida, a condição causa a obstrução do livre fluxo de Qi. Sem o livre fluxo, o Qi se acumula na região gerando uma condição de calor interno.

Ainda, a falta de livre fluxo prejudica a separação do puro (que deve ascender) do impuro (que deve descender) gerando assim mucosidade no aquecedor médio.

Com o puro bloqueado e sem poder ascender, o Baço não pode realizar sua função de transformar e transportar, o que prejudica a produção de Qi e Sangue pelo corpo, o que, por sua vez, deixa o Baço ainda mais fraco até perder o controle do processo de transformação e transporte. Sem esse processo, o puro não ascende e o ciclo recomeça!

Esse é o ciclo vicioso causador de uma série de doenças relacionadas ao Baço nas crianças. Para resolver, é necessário fortalecer o Baço e corrigir as causas do desequilíbrio.

Fígado

Ao contrário do Pulmão e do Baço, que são comumente deficientes, o Fígado é comumente excessivo.

Devido ao crescimento e desenvolvimento rápido, o Sangue da criança é normalmente insuficiente. Com isso, não ocorre o preenchimento completo dos vasos, o que pode gerar vento. Ainda, a insuficiência de Sangue impossibilita a nutrição adequada dos tendões, gerando espasmos. Essa condição, acrescida do fato de o Fígado controlar e estocar o Sangue,  explica porque a ascensão do vento do Fígado (e suas patologias relacionadas) são comuns nas crianças.

Quando há estagnação de alimentos, umidade ou mucosidade no aquecedor médio, o Qi não consegue manter seu fluxo adequado. Com isso, o Fígado também tende à estagnar ou tornar-se excessivo. Como a criança é puro Yang, a repleção ou depressão do Qi do Fígado leva à hiperatividade do Yang do Fígado, que por sua vez pode causar a ascensão do fogo do Fígado e/ou do vento do Fígado.

A ascensão do fogo do Fígado justifica os “ataques de fúria”, impaciência e irritabilidade que ocorrem com certa frequência nas crianças.

Ainda, a estagnação do Qi do Fígado também pode causar patologias com sintomas gastrointestinais, tais como refluxo, vômito, queimação, desconforto abdominal, etc. Esse processo pode ser compreendido através da teoria dos 5 movimentos (Madeira atacando a Terra), mas isso é tema para outro artigo!

 

Referências
– FLAWS, Bob. A handbook of TCM Pediatrics. Second Edition. New York: Blue Poppy Press, 2006.

– JIMING, Cao; JUNQI, Cao; XINMING, Su. Essentials of Tradicional Chinese Pediatrics. Beijing: Foreign Languages Press, 1990.