Um dos ditados mais populares da Medicina Chinesa é “uma Síndrome, diversas Doenças e uma Doença, diversas Síndromes”.

E é por isso que o grande objetivo da prática clínica é a diferenciação de síndromes.

Porém não é só isso: é preciso compreender os mecanismos da doença!

Além de saber a síndrome atual, devemos buscar a compreensão total dos mecanismos da doença, desde seu gatilho inicial até o que pode acontecer no futuro se não for tratada adequadamente.

Toda doença (ou processo patológico) tem início com um gatilho, que é uma situação que coloca um “trem” patogênico em movimento.

Isso quer dizer que nenhum tipo de desequilíbrio nas funções dos órgãos e vísceras acontece “do nada”: sempre é preciso que algo dê o START, que aperte o gatilho. Quando o “trem” patológico (doença) está movimento, ela vai evoluindo e para condição tem-se uma síndrome específica.

Se considerarmos a doença como um filme completo, a síndrome vai ser um print (uma imagem) do que está acontecendo naquele momento.

Para saber o que aconteceu antes daquela cena (síndrome) é preciso perguntar para quem já estava assistindo o filme, ou seja, para o paciente.

É por esse motivo que o interrogatório é essencial! É perguntando que se descobre como o desconforto começou, quais foram os primeiros sintomas e como eles evoluíram até o momento do atendimento.

A cena atual pode ser descrita e analisada diretamente por você, ou seja, deve-se definir a síndrome atual como base nos 4 pilares do diagnóstico.

E imaginar o que vai acontecer no final do filme vai depender de quantos filmes desse gênero e desse diretor você já assistiu na sua vida.

Ou seja, conhecer a evolução da doença vai depender da sua experiência clínica (ou estudo) sobre casos similares e como eles evoluíram.

Para ficar mais claro, vamos para um exemplo prático:

Paciente com 35 anos com queixa de azia e refluxo gástrico.

Durante o interrogatório, ela disse que começou a se sentir mal depois de um período grande de estresse causado pela rotina exaustiva e por problemas no relacionamento.

Esse é o gatilho (situação que desencadeou a patologia).

Ela relatou que inicialmente sentia dor na região abaixo das costelas, cólica menstrual, dor nas mamas e sensação de aperto na garganta.

Primeira Síndrome (Estagnação do Qi do Fígado)

Depois de um tempo, passou a apresentar náusea, soluços e distensão na região abdominal.

Segunda Síndrome (Estagnação do Qi do Estômago)

Agora ela apresentava azia constante, dor de estômago, fome exagerada e sede intensa, principalmente por bebidas geladas. 

A paciente apresentava halitose, língua vermelha com saburra amarela ao centro e pulso rápido e forte, principalmente na segunda posição direita.

Síndrome atual: Calor no Estômago

Sabe-se que o calor no Estômago, quando não cuidado, pode se transformar em Fogo no Estômago e causar agravamento dos sintomas atuais.

É o futuro da Doença.

Com base em todas essas informações, pode-se definir que o princípio de tratamento da paciente envolve limpar calor do Estômago, harmonizar o Fígado, estabelecer o livre fluxo de Qi pelos canais e acalmar a Mente.

Sem o conceito de Mecanismo de Doença, o tratamento seria baseado apenas em limpar calor e apesar de promover alívio momentâneo da queixa da paciente, não resolveria a condição de uma vez por todas.

A figura abaixo resume o mecanismo de uma doença através de um exemplo prático.

Referências

– DEADMAN, Peter; AL-KHAFAJi, Mazin; BAKER, Kevin. Manual de Acupuntura. São Paulo: Roca, 2020.
– MACIOCIA, GIOVANI. A Prática da Medicina Chinesa – tratamento de doenças com acupuntura e ervas chinesas. 1ª edição. Rio de Janeiro: Roca, 1996.
– MACIOCIA, GIOVANI. Diagnóstico na Medicina Chinesa: um guia geral. 1ª edição. Rio de Janeiro: Roca, 2006.
– MACIOCIA, GIOVANI. Os fundamentos da medicina chinesa. 3ª edição. Rio de Janeiro: Roca, 2019.